sábado, 11 de maio de 2013

Qual é o Parangolé? + Hélio Oiticica

É comum que se acredite que as sensações e percepções do corpo sejam o que conhecemos de mais imediato. Mas cada corpo é uma série de usos, muitas vezes organizado por técnicas ou corporeidades condicionadas culturalmente. A aventura e a descoberta de outras sensações e de outros modos de comportamento que não os fixados pelos hábitos e pela tradição - outros usos, outras corporeidades - é assunto comum do campo das artes e das drogas. Hoje, expandindo a nossa postagem regular de terça-feira e aproveitando uma semana de reflexão sobre o tema, trazemos um trecho do livro do poeta Waly Salomão sobre Hélio Oiticia e seus parangolés, que se insere no questionamento dos mundos a serem descobertos no trabalho com a maconha, o corpo (os passes do sambista), a arte: a vida.





“‘Qual é o parangolé?’ era uma expressão muito usada quando cheguei da Bahia para viver no Rio de Janeiro, e significava, dentre outros sentidos mais secretos: ‘O que é que há?’, ‘O que é que está rolando?’, ‘Qual é a parada?’ ou ‘Como vão as coisas?’. Somente para marcar a plasticidade dinâmica da língua: alguém indagar ‘E as coisas?’ na gíria carioca de então não significava preocupações físicas, alquímicas ou filosóficas mas muito simplesmente uma interrogação sobre o que hoje atende pela poética alusiva de ‘fumaça-mãe’, ‘pau-podre’, ou seja, designa o mesmo que o étimo oriundo da língua quimbundo dos bantos angolanos: maconha (Cannabis sativa). (...) Não sendo de início senão um ser linguístico, hoje em dia o nome PARANGOLÉ sumiu da gíria do morro e fixou residência nestes objetos anti-stabiles. Mas algo de misterioso de sua vida anterior volátil – um avião, Ícaro, ou um óvni qualquer – um feitiço fugaz, uma firula, uma propensão gingada para dribles e embaixadas, aparece, agita e serve como acionador de seus giros. Descoagulação e fluidez de sentido.
         O brutalista PARANGOLÉ de HO nasce da constatação da contingência, nada tem de decorativo ou polido. Surge de uma vontade de apreender o sentido bruto do mundo em seu nascedouro. Cumplicidade e simbiose com as agruras e a volta por cima daqueles que na metáfora geométrica constituem a base da pirâmide social. Daqueles que vivem, o mais das vezes, de bicos, de bocas, de expedientes, de subempregos, de camelotagem.

(...)

Hoje em dia ir a uma Escola de Samba não constitui nenhuma aventura excepcional. É uma safe adventure. Um pacote convencional igual aos oferecidos por qualquer agência de turismo para a Disneyworld. Ou percorrer Epcot Center, esta receita fantástica para fazer ovos mexidos de nações e noções. Repito: nenhuma pele etnocêntrica é tirada. (...) Hélio quando foi ser passista aprendeu todos os passos básicos do samba como, nos dias de hoje, ninguém que vai por lá sente sequer a necessidade de aprender. Sinhô, o Rei do Samba (José Barbosa da Silva) cantava que ‘A malandragem é um curso primário... É o arranco da prática da vida’.

(...)

O Hélio quando foi para Mangueira vivenciou a barra-pesada num processo de ruptura e recusa do mundo burguês que o formou e rodeava. Não foi uma FAVELA TOUR. Foi um aprendizado gozoso e doloroso. Cair de boca no mundo. Cannabilidinar. Uma reivindicação feroz de singularidade lúcida, tensa, extremada contra a regra geral média e morna. Encantamento e vertigem. Marginalibidocannabianismo.

(...)

Toda suprassensorialidade está relacionada com a Cannabis sativa. Quanta gente fuma maconha, cheira pó e não produz nada! Acho que não se pode ter dedos moralistas com isso, é uma descoberta. O que me interessa no HO com relação à droga, é que sempre escancara para novas percepções, novas dimensões, novas estruturações”.

Waly Salomão. Hélio Oiticia: Qual é o parangolé? E outros escritos. RJ: Rocco, 2003.

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