terça-feira, 27 de maio de 2014

Edição de poesia hoje: modos de fazer e desfazer (parte 2 de 2)

Uma mesa de debate com Aníbal Cristobo, Italo Moriconi e Marília Garcia, três editores de poesia-poetas, no Rio de Janeiro permite pensar o contexto cultural da cidade a partir de três de suas figuras fundamentais. Do mesmo modo, permite levantar as diferenças e convergências em maneiras de editar, publicar e circular poesia que hoje se desdobram não só no espaço (Rio de Janeiro, São Paulo, Barcelona), como no próprio idioma (português-castelhano).

O debate Edição de poesia hoje: modos de fazer e desfazer foi uma proposta do coletivo Bliss não tem bis para integrar a comemoração dos 20 anos da EdUERJ, junto a uma noite de leituras de poesia e performances poéticas para o lançamento da edição bilíngue pela 7letras do novo livro de Aníbal, Minha vida como bactéria.

Semana passada publicamos as falas introdutórias dos três integrantes da mesa (leia aqui). Nessa segunda parte, a transcrição do debate propriamente: as perguntas e discussões agora com a participação dos mediadores e público; junto a leituras de poemas no lançamento de ˜Minha vida como bactéria˜ (7Letras, 2014), de Aníbal Cristobo em edição bilíngue com tradução de Marília Garcia e Luciana Di Leone, organizado dois dias após o debate no mesmo local.


Thiago Gallego, Clarissa Freitas, Lucas Matos, Marília Garcia, Aníbal Cristobo e Marcio Junqueira no lançamento de Minha vida como bactéria (parte dos encontros com Aníbal no Rio)


EDIÇÃO DE POESIA HOJE: MODOS DE FAZER E DESFAZER (parte 2 de2)


- Convidados:

Aníbal Cristobo: Nascido em Buenos Aires, em 1971, o poeta e editor morou por 5 anos no Rio de Janeiro, no final da década de 90. Em português publicou Teste da iguana (1997), Jet-lag (2002) e Krill (2004), reunidos em Miniaturas kinéticas (7Letras / Cosac Naify, 2005).
Seu mais recente Krakatoa (Zindo & Gafuri, 2012) foi lançado em 2002 na Argentina e ganhou versão bilíngue em português em Minha vida como bactéria (7Letras, 2014 / tradução de Marília Garcia e Luciana di Leone).
Em Barcelona, mantém uma editora voltada para a poesia contemporânea, a Kriller71. Boa parte da sua produção como poeta e tradutor pode ser encontrada no sítio de mesmo nome.

Marília Garcia: Nasceu no Rio de Janeiro em 1979. É autora dos livros Encontro às cegas (Moby Dick, 2001), 20 poemas para o seu walkman (7Letras / Cosac Naify, 2005) e Engano geográfico. Coedita a revista Modo de usar & co. e já se apresentou nos festivais Salida al mar (Argentina) e Europalia (Bélgica).
Mantém também o blog le pays n’est pas la carte.

Ítalo Moriconi: Nascido no Rio, em 1953, é poeta, editor, crítico, antologista e professor de literatura brasileira e comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Publicou os livros de poemas Léu (1988), Quase Sertão (1996) e História do Peixe (2001). É editor da EdUERJ desde 2008 - onde, desde 2010, edita a coleção Ciranda da Poesia, com 21 volumes já publicados.


- Demais participantes:

Lucas Matos e Marcio Junqueira, editores do blog e da revista-disco de poesia Bliss não tem bis.
Masé Lemos, integrante do conselho editorial da Ciranda da Poesia.
Dimitri BR, músico e poeta recém-atestado. Toca junto a Alexandre Hofty o projeto Diahum.


***



Marcio Junqueira
Eu queria fazer uma pergunta pro Italo, que ele de alguma forma já respondeu. Você [Italo] falou que tem uma proposta os volumes da Ciranda da Poesia. Vocês convidam um autor e o autor elege sobre quem ele quer escrever, é isso?


Italo Moriconi
Muitas vezes. Agora tá ficando cada vez mais difícil, porque muitos já foram contemplados. Então a gente também sugere muito, pede --


Masé Lemos
Caça


Italo
Hein?


Masé
Caça as pessoas.


Italo
É, a gente caça. Quer escrever sobre fulano?


Marcio
É, eu tava pensando isso porque você já tinha falado isso também, né? É uma coleção institucional. Sai pela UERJ e isso tem um peso. Você também de alguma forma já respondeu a pergunta quando falou que não tem também uma proposta tão clara. Mas de alguma forma tem uma proposta. No mínimo, ao convidar determinadas pessoas e estar registrando esse movimento de poesia, das coisas que acontecem aqui no Rio.
Me perdi no meio da minha pergunta, gente.
Porque de alguma forma é um processo não de canonização, mas de institucionalização dos autores também. A partir do momento que eles ganham um livro sobre eles, uma coleção crítica, universitária, como você pensa esses autores e essa cena refletindo basicamente ou principalmente o Rio?


Italo
Eu gostaria que ela fosse nacional, né? [Para Masé:] Quer falar um pouquinho?


Masé
Eu fico aqui me roendo.


Italo
É porque eu vi que você tá a fim de falar.


Masé
Eu acho que a Ciranda tem essa proposta de ser uma ciranda. Uma coisa lúdica e vamos agregando pessoas por contaminação, tem essa ideia da contaminação. E a gente tenta de vez em quando fazer umas intervenções, como o Italo, quando ele pediu para o Marcos Siscar escrever sobre a Ana Cristina Cesar. Foi um olhar bem diferente, ele nunca tinha trabalhado com a Ana Cristina. Então pontualmente a gente tem essas propostas.


Italo
Em termos de institucionalização, o que mais a gente quer é que seja um livro que seja interessante pra pessoas interessadas em poesia.


Masé
Agora eu não vejo – só fazendo já uma pergunta – que a Ciranda seja mais institucional do que a Modo de Usar ou o Krill.


Marcio
Eu acho que é. Acho que ter o selo universitário, acho que isso muda muitas coisas.


Masé
É, mas depende do circuito.


Marcio
Acho que talvez dentro do circuito, talvez a Modo, pelo menos para mim, instigue mais pessoas, mas é muito diferente o olhar. A Modo tem material crítico também no site...


Masé
Mas é uma forma de institucionalizar: quem é publicado ali, quais são os bons poetas, o que interessa ler. Quer dizer, foi o que o Italo falou, ao você publicar, ao escolher, você já está criando essa institucionalização, essa espécie de capital social.


Dimitri BR
Mas uma coisa é a revista e, vamos supor que um leitor alienígena chegue, leia ali e fale, isso aqui são os poetas que a Marília disse que são bons. Esses aqui são os poetas que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro disse que são bons. Acaba parecendo mais institucional porque tem o peso da instituição mesmo.


Marcio
E também assim, os poetas publicados na Modo de Usar, eles não tem um ensaio sobre eles. É um olhar diferente. Óbvio que eu acho que a seleção dos poetas e ainda mais como é montada a revista, aquilo cria um diálogo, você percebe - tem uma narrativa ali. Mas eu acho que esse peso de ter um ensaio, ter uma antologia, é um peso muito diferente em termos de institucionalização.


Masé
Não, eu estou achando legal assim pra gente conversar, tá? Não estou querendo criar uma polêmica.


Marcio
Mas a polêmica é boa também, eu acho.


Masé
Mas por outro lado, a Ciranda é pro plural, né? Então não tem só os poetas, [para Dimitri:] você que falou, que a Marília gosta ou que a equipe editorial --


Dimitri
Sim, eu disse esse leitor alienígena que chegasse só com os dados mínimos sobre como funciona aqui a raça humana e tal, ele acharia que é mais institucional por isso. Então por isso eu acho que quando você fez essa provocação “é tão institucional quanto”, ao Marcio também não pareceu.


Aníbal Cristobo
Mas eu acho que é interessante, mas acho que ao mesmo tempo essa institucionalização se dilui no infinito da serialidade, né? Porque se você fechasse uma coleção com 10, ou 15, ou 20, mas o que ele tava falando é que é uma coisa pra sempre, acho que tira o peso também, pelo menos da minha percepção.


Italo
É, tenta minimizar um pouco. Quer dizer, o lugar é um lugar institucional, agora acho que um dos aspectos que a Masé levantou é a questão do ato seletivo. Mas justamente, eu acho que tem uma série de questões de como se dá o ato seletivo que dá pra fazer certas distinções.

Eu acho que está cada vez mais assumido, por isso que eu gostava do nome daquele site, Escolhas Afectivas, porque está cada vez mais assumido o caráter de afecção que está no ato seletivo, em quem vai estar na Modo de Usar, em qualquer projeto. É o que eu sempre digo, qualquer livro de poesia é um ato seletivo de você com você mesmo, você com a sua gaveta. Você ali já está fazendo o exercício crítico, está escolhendo aqueles pra botar no seu livro ou não, né? Então nesse sentido sim, não existe a possibilidade de se pensar o ato seletivo ou o ato crítico sem uma dimensão afetiva e que, portanto, tem um grau de arbitrariedade. Então o que decide que essas escolhas da Ciranda são importantes? Aí tem um ato institucional, realmente, a universidade pode passar essa impressão.

E é claro, a Ciranda pretende realmente ser um primeiro momento – eu não tenho medo da palavra porque eu sou professor há quarenta anos – de pedagogização e de uma certa normalização. Claro, não tenho dúvida nenhuma, porque você tem ali um julgamento crítico, pessoas vão se aproximar... Foi como eu falei: um dos momentos constitutivos do meu ser poético foi ler Metalinguagem. É inesquecível você ler aos 15 anos de idade um ensaio do Haroldo de Campos sobre Meu tio o iauaretê, né? E também a leitura que ele faz do Drummond, da qual eu discordo radicalmente, provavelmente, hoje em dia, aquele corte que ele faz na obra do Drummond. Então acho que isso existe, mas eu acho que isso remete pra política. Política poética, que é um tema muito interessante. Quer dizer, na medida em que você faz um periódico, na medida em que você faz um projeto qualquer, o mais fora que você esteja de circuitos institucionais, do aparelho estatal ou do mercado, você está fazendo uma política, você está afirmando uma voz de um grupo.


[...]


Masé
Só queria falar, pra não ficar a impressão... É lógico que eu sei que a Ciranda luta mais com essa “grife” de ser da EdUERJ, né, isso é inevitável.


Dimitri
Por outro lado, é sensacional que isso seja feito.


Masé
A gente tenta flexibilizar e, de toda maneira, o mundo da poesia é muito restrito, muito pequeno. Então se para um público grande, a Ciranda, você não conhece, vai lá, pega e vê EdUERJ, tudo bem, pode ter uma importância maior do que uma Modo de Usar, uma Inimigo Rumor, uma Escolhas Afectivas, mas eu acho que no campo restrito da poesia, essas revistas, a Bliss, todas essas são muito importantes. E, lembrando aqui, Marília, você lembra do impacto que foi a Modo de Usar quando ela saiu, né, e o Aníbal também participou disso. Uma briga ferrenha com o Felipe Fortuna no JB; no O Globo, na Prosa e Verso; com o Régis Bonvicino em São Paulo. Quer dizer, teve um impacto enorme. Incomodou. E isso foi excepcional, uma revista que mudou...





Italo
[para Marília] Deixa eu fazer uma pergunta, eu tenho uma curiosidade. Quando vocês começaram a pensar a Modo de Usar, tinha uma reflexão não necessariamente crítica, mas em termos de dar um outro passo para além do que tinha sido a experiência na Inimigo Rumor, na 7Letras, ou foi quase que um desdobramento? Porque eu acho que o universo que tá sendo criado é outro, é bem outro. Não estou dizendo que um seja pior do que o outro, não é nada disso, mas é um outro universo.  Como se fosse uma abertura maior de tudo. Da frase, do texto. Então sempre tive essa curiosidade se vocês encararam isso como “vamos fazer uma outra coisa” dando respostas pra perguntas que não tavam sendo pensadas ou que simplesmente foi uma evolução assim...


Marília
Nossa, que pergunta difícil. Acho que não é pensado dessa forma, mas claro que tava ali no diálogo, né? A revista não foi nem uma coisa depois. Ela surgiu e a Inimigo ainda tava sendo editada. Então tá ali, a gente se formou lendo a Inimigo Rumor.


Lucas
Mas eu acho que isso aparece de algum modo, por exemplo, no interesse de trabalho de poesia em diálogo com outras artes, que isso até muda no final. Se você pega as últimas edições da Inimigo, ela chega a fazer uma abertura nesse sentido. Mesmo a última edição que tem ensaios de fotografia etc. Mas que já é uma Inimigo, essa última edição, depois de vocês terem feito a Modo de Usar, que era uma coisa que nos primeiros números da Inimigo não havia, ou pelo menos não era uma constante forte. Então acho que uma dessas aberturas também seria por esse interesse por esses outros espaços. Então são poetas, mas também poetas que trabalham com outras linguagens. Aí eu vou publicar a Nathalie Quintaine com os desenhos, ou narrativas em quadrinhos etc.


Marília
Mas essa abertura você [para Italo] diz em relação a isso ou em relação ao verso, ao texto?


Italo
Acho que em relação a tudo. É como se tivesse todo um movimento poético que aconteceu, que foi traduzido por um certo número de poetas, um certo número de projetos e cada vez mais essas fronteiras tivessem que ser ampliadas e aí gera uma outra coisa, um outro contexto. Talvez até motivado pelo acaso, pela biografia das pessoas: esse aqui [Aníbal] foi pra Barcelona, sei lá que aconteceu, enfim. Mas eu diria que essa poesia que se faz em torno desse universo mudou. Os valores mudaram, se tornaram mais abertos. O próprio verso, a relação de tradução muito mais horizontal. Pode-se considerar como um desdobramento mesmo. Quer dizer, então eu diria que talvez num primeiro momento a tradução fosse encarada como essa atividade separada em que eu tô na língua portuguesa e eu levanto; mas, por exemplo, sempre achei a coisa super instintiva e super interessante no trabalho do Aníbal que era quando ele tava na fase Inimigo Rumor, acho que mais de um livro, ou pelo menos um, era bilíngue.

Então com o tempo essa pressão pela tradução se tornou algo de uma interferência muito mais forte em termos de, usando uma palavra filosófica, um fechamento. Um soneto, uma forma fixa, seria o exemplo clássico de uma política poética que é marcada pelo estabelecimento de fronteiras muito bem delimitadas. Então eu diria que seria exatamente isso. Cada vez mais o desfazimento de todo e qualquer tipo de fronteira como um projeto mesmo de ir em frente.

E tem várias dimensões, né? Uma dessas dimensões é essa horizontalidade da rede e o casual. Quando o Aníbal diz que ele quer fazer aquelas coisas que você [Aníbal] disse que queria, eu entendo, porque é um projeto político, um projeto autogestionário. Então o rapaz aqui tem um modo de intervenção política. Eu acho que tem uma efervescência no Brasil, cultural que tava mais forte na coisa da periferia, mas que agora está se manifestando em muitos outros lances, como por exemplo [para o Marcio] o próprio Tecnoxamanismo.

Não, não é pra rir não, eu levo muito a sério o Tecnoxamanismo. Então tem muita coisa acontecendo e é engraçado porque é um clima assim: você vai nos lugares e não tem tanta gente. Mas é quando tem uma efervescência vanguardista - usando a palavra de uma maneira anacrônica - acontecendo. São várias coisas acontecendo na cidade, aí você vai e tem 30 pessoas ali, trabalhos interessantíssimos e você vai no outro lugar, né, o debate daqui de hoje nosso, 20, 30 pessoas, coisas interessantíssimas. Tem uma efervescência acontecendo com certeza e eu acho que ela tá relacionada sim com essa movimentação política. Apesar de todas as confusões que estão em torno dela, porque também pela primeira vez a gente tem um acúmulo de 20, 30 anos de uma política institucional, com partidos, com eleição, que passamos 30 anos numa ditadura, então acumula várias coisas.



Lucas
A minha pergunta era um pouco nessa direção. Se vocês veem como essa atividade – eu gostei muito das falas de vocês e elas um pouco já adiantavam isso, até mesmo porque talvez eu já tivesse feito um pedaço dessa pergunta antes, na troca de e-mails preparando a mesa – mas que era um pouco isso, que a gente vive, vou pegar o exemplo brasileiro, mas queria que ficasse claro também como é que se pode tirar talvez uns princípios dessa pergunta pra, quem sabe, o Aníbal também poder responder. A gente vive basicamente 20 anos, com diferenças de uma forma de se governar e outra forma de se governar, mas se você quiser usar a brincadeira do Caetano, de uma dissidência da esquerda uspiana fazendo a política macro brasileira. Só que isso acarreta em diferenças práticas muito grandes. A gente falava hoje mais cedo no almoço num alargamento, por exemplo, da classe média, uma certa mudança, transformações políticas, sociais e culturais. E a minha pergunta era algo assim: tudo bem, a gente pensa, é um projeto político, você vai pensar uma editora, pensar edição de poesia como uma questão política, mas como é que vocês pensam ou se há como se pensar a relação dessa política com essas outras transformações políticas da sociedade e transformações culturais. Como é que uma coisa se relaciona com a outra. Se vocês pensam nisso e de que modo vocês pensam nisso.


Italo
Todos os olhares convergem para Aníbal.


Aníbal
Eu vejo uma analogia nas coisas. Não quer dizer que seja uma relação de causa e efeito, mas eu vinha pra aqui pensando nisso. Que eu acho que a mesma inteligência, a mesma ética e o mesmo grau de envolvimento com as coisas que estão sendo feitas, que pode interessar às pessoas aqui do meu lado é o mesmo grau e o mesmo interesse pela cultura que está se manifestando em diversas áreas, desde o posto de cada um. Não sei exatamente qual seria a relação entre a edição de poesia especificamente se a gente corta o campo. Mas se você vê a atitude da pessoa, que acho que é muito parecida. Eu fico muito feliz em relação a isso. Porque eu vejo que não é que na edição de poesia ou na música brasileira estão acontecendo coisas legais, mas é uma coisa isolada do resto da realidade, sabe? Acho que isso tá se refletindo em muitas cosias ao mesmo tempo e tem a ver com uma consciência das pessoas, sabe? Do jeito que elas querem participar do país, da cultura do país, de se relacionar com as outras pessoas. Acho que é isso que tem a ver, na verdade.


Italo
Pra mim as duas palavras chave são redes e horizontalidade. Outra palavra que eu gosto muito também é a da revista, né? Da Paloma [Vidal] e desse outro pessoal, que é Grumo, que eu acho que é uma política do sentido muito interessante. Você não tem um sentido único e totalitário e você não tem sequer sentidos muito fixos. Você tem grumos de sentido, você tem uma proliferação de interesses e de sentidos, aglomerações. Que eu acho que você pode pensar também numa forma de leitura – por isso que eu falei, quer dizer, o close reading linha a linha – pode ser que determinados tipos de práticas textuais tenham que ser substituídos por uma leitura por grumos. Então, a rede, a horizontalidade.

Acabei de participar de uma banca de concurso de professores docentes. E eu me lembro também da participação da Paloma e do Teju Cole na Flip. Então na banca, tanto entre os candidatos, quanto na própria banca ficaram evidentes duas possibilidades ou duas políticas pra universidade muito diferentes. Uma é a política clássica, onde o mestre leva seu pacote teórico e a população discente, digamos assim, mostra maior ou menor competência em incorporar aquele pacote teórico. Outra é uma composição baseada na horizontalidade, na rede, numa multiplicidade de papéis, assumidos dentro da atividade universitária. Não apenas o teórico, mas o criador, o que chegou ontem da favela e conseguiu chegar na universidade, aquele que traz uma bagagem clássica, né? Então eu acho que essa outra concepção – engraçado que a Paloma Vidal, que é professora lá na Unifesp, e o Teju Cole, professor em Nova York colocaram a mesma concepção, a mesma maneira de ensinar numa sala de aula, que é a partir do que o estudante fala. E sem preconceito nenhum contra manifestações de ignorância absoluta, que nem o Teju Cole falou ‘mas não tem importância nenhuma se o aluno acha que o Joyce é o dono de uma quitanda’, porque é um processo onde lacunas vão se encontrando e interagindo, é a horizontalidade.
[...]
Não tem novidade, acho que é a política importante já há algum tempo. Ela já teve vários formatos, mas o que eu acho legal que está acontecendo é que realmente surgiu um movimento com um grau de horizontalidade brutal no que ele tem de mais interessante, que muitas coisas eu não acho tão interessantes. Mas o que aquele movimento todo de junho teve, que eu tô esperando pra ver se vai aparecer novamente aquele tipo de coisa – porque de repente sumiu de cena - foi algumas coisas que eu acho que não tem nada a ver e também alguns movimentos sindicais que reapareceram muito com muita força – mas isso é repetição do mesmo. Acho que é importante e tal, mas daquele jeito que foram as primeiras passeatas, com aquele negócio – que muita gente agora tá considerando a Marina uma mulher de direita, né? Eu não considero ela nem de direita, nem de esquerda, mas acho que ela às vezes fala umas coisas brilhantes. Teve uma coisa que ela falou sobre o movimento de Junho que é brilhante, que é o ativismo autoral. Então você não tinha palavras de ordem, não tinha ninguém fazendo discurso, mas todo mundo tinha um cartaz com alguma coisa engraçada escrita, que é esse ativismo autoral.


Marília
E aí, por outro lado, indo pra uma coisa bem concreta que eu sempre invejei na Argentina, aquelas ediçõezinhas pequenininhas, as pessoas criando as próprias formas de circulação, dando livros, editando. Não sei aqui no Rio como tá, mas lá em São Paulo desde que eu cheguei, sei lá, uma vez por mês, ou uma vez a cada dois meses, alguém faz um livrinho desses e distribui. Aí tem um lançamento pequeno, umas coisas assim, 30 exemplares.


Dimitri
Aqui teve um pessoal, Pedro Rocha, não sei mais quem que se juntaram e fizeram uns livros mimeografados, com capa ilustrada. Faz uns dois meses agora, Cara a Tapa, a editora. Eles lançaram vários autores e cada autor tinha que rodar a sua própria tiragem, dava um trabalho enorme. Mimeógrafo mesmo. Aquela coisa, ia saindo tudo meio cagado, tinha que corrigir a mão. Sensacional.


Lucas
Tem também a galera do Méier, da Oficina Experimental de Poesia, que eles também tem a coleção Kraft.


[...]


Dimitri
Eu queria fazer uma pergunta ao Aníbal e ao ítalo. Mais uma curiosidade assim. Todos os projetos, os três projetos que vocês apresentaram tem essa vontade, ou no mínimo chegaram a essa consequência, até inesperadamente no caso do Aníbal. De que é uma coisa dialógica. Parte de uma coisa que parece ter um rumo e termina numa coisa horizontal. Acho que uma diferença notável é que a Modo tem um blog que, como a Marília disse, serve como um complemento perfeito, porque a edição impressa, por essa limitação de estar impressa e fechada acaba se tornando menos aberta. E, quando o Lucas foi perguntar pro Italo, falou “Ah, que o Luca Argel, sei lá o quê”. O Luca Argel é uma pessoa que teve a visão de poesia mudada pela Modo. Ele mesmo sempre diz isso, né?


Marcio
Não só ele.


Dimitri
Que ele escrevia poesia, não conhecia nenhuma das pessoas envolvidas, conheceu a Modo de Usar e aquilo transformou a escrita dele. Hoje em dia colabora, foi publicado pela própria Modo. Então aquilo permite uma circulação e funciona como banco de dados, como a Marília disse. Então se vocês pensaram em fazer alguma presença virtual, ou se tem e eu não sei.


Italo
Não, o projeto que tem ainda não saiu: eu sempre pensei de 20 em 20 números fazer um antologião. Mas não uma seleção. Simplesmente publicar tudo. Porque é complicado você ficar fazendo reedição reedição reedição dos livrinhos, entendeu? Porque a gente não tem tanto dinheiro assim. Mas você vê, quando vocês falaram das tiragens, puxa, eu considero a EdUERJ assim, a gente não tem dinheiro, mas cada tiragem nossa é de 300 e algumas já se esgotaram e a gente já fez outra de 300, entendeu? Então mercantilmente a gente é poderoso pra burro em comparação com vocês, digamos assim, né? [...] Então eu acho que isso seria muito legal. A gente tem um slogan: vamos fazer a EdUERJ digital, que significa disponibilização de alguns textos em pdf, de alguns livros que já estão esgotados; entrar no e-book como várias universidades já estão fazendo. E também que temos um blog. O Ricardo ali que é nosso responsável, antes não tinha nada. Agora já temos uma pessoa cuidando disso. Mas a gente pode explorar muito mais. Eu acho, e espero que a gente chegue a isso um dia, que o site de uma editora universitária, ele pode ser um lugar de publicação, de movimentação e, de repente, até cabe um link com os esgotados. Tem vários esgotados.


Aníbal
No meu caso, o que eu faço é tentar acompanhar os livros com entrevistas aos autores no blog. Pra desdobrar um pouco isso e também dar uma perspectiva,quando os autores estão vivos e acessíveis.


Dimitri
Fantasmas!


Aníbal
Porque não sei, acho que pode complementar aí. Eu não agregaria muitos conteúdos mais. Na verdade, esse é o formato que acho interessante pra mim. Mas uma coisa que eu quero fazer, que é um pouco uma dívida que eu tenho comigo, é também utilizar esses tipos de plataformas, como o blog da editora, para documentar os processos também. Porque acho interessante que esses saberes possam ser compartilhados. Quando eu comecei com isso, eu não sabia como que fazia isso. O que é o ISBN? Onde que gestiona aquilo? Tem um monte de coisas que você tem que se virar. Acho que seria legal que tenham saberes que estejam disponíveis pra autogestão. Pra que outras pessoas que querem fazer coisas vejam que aquilo é muito mais simples do que parece se você tem essa informação simplesmente.  Isso é uma coisa sim que eu acho importante e quero fazer.






*

Agradecimentos a Carolina Aleixo, Henrique Benzi, Casa de Leitura Dirce Côrtes Riedel, 7Letras e EdUERJ.

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