Na postagem da semana passada Ana Chiara ensaiava uma carta que dizia do artista no feminino. Um artista empenhado num processo de sedução
continuada : parece que, ao artista no
feminino, caberá a mobilização do outro, afetá-lo contaminá-lo sem oferecer a
narrativa de uma experiência. Ana via em Leonilson, Ana Cristina César e
Sylvia Plath, notadamente, elementos desse processo. Retrospectivamente, Chiara queria alertá-los do perigo do outro olho, queria
empoderar os meninos sensíveis e as garotinhas odiosas. Transformá-los no olho que eles queriam
ganhar.
Na vogue deste mês (agosto / 2014) comentando
duas exposições com trabalhos de Leonilson,
recentemente inauguradas em são Paulo, Ana Carolina Ralston vai chamar o
artista de poeta visual.
No principal ensaio do catálogo
de “São tantas as verdades” – primeira grande individual pós-morte de
Leonilson - Lisette Lagnado classifica o trabalho de
Leonilson como “Ficção Epistolar”: cada peça foi rigorosamente construída como
uma carta para um diário íntimo.
Discípulo de um ideal romântico malogrado, Leonilson foi movido pela compulsão de registrar sua interioridade a fim de
dedicá-la aos objetos do desejo. Esse legado, enunciado por um “eu” cuja
expiação é incessante, reavalia a subjetividade após as experiências
conceituais. Isto é, desgastada a reflexão sobre o destino da arte, que teve a
metalinguagem como ápice , a obra volta-se neste momento para o questionamento
do destino do sujeito.
Os textos enfatizam os elementos
(auto)biográficos da obra de Leonilson.
O uso intenso da palavra com valor gráfico remete à tradição da poesia visual. Especialmente aos poetas concretos. Mas enquanto os concretos vão usar fontes
normalmente industriais – que é absolutamente condizente com seus projetos de
modernidade – em Leonilson a fonte é
manuscrita. Esse gesto associa diretamente o trabalho do artista as escritas
intimas (cartas, diários, agendas).
Arnaldo Antunes num dos 40 escritos fala da relação entre
traço / timbre.
Gostaríamos de pensar a
caligrafia como marcas/representações do eu-lírico nos trabalhos. Digo
eu-lírico porque gostaria de pensar alguns trabalhos – particularmente os que
tem no papel seu suporte – como poemas líricos.
Se tomarmos a definição clássica de poesia lírica como o tipo de “texto”
onde o eu-lírico “canta” seus sentimentos subjetivos conseguimos identificar
facilmente o trabalho de leonilson dentro dessa classificação. O conceito de eu-lírico (máscara que veste o
poeta em sua performance) para entender a relação de contaminação da arte à vida no trabalho de
Leonilson, nos parece mais produtivo que uma leitura centradamente
(auto)biográfica. O risco das leituras biográficas no tipo de jogo que propõe
trabalhos como o de Leonilson (e Caio F. e Ana C., entre outros) é transformar as obras em registros
/documentos. Eu-lírico e autor não são
categorias pacificas. (Nem em si, nem em suas relações).
Essa semana no blog uma seleção
de trabalhos de Leonilson onde a palavra é elemento destacado. Junto publicamos fragmentos de uma série de
entrevistas realizadas por Lisette Lagnado com o artista entre outubro e
dezembro de 1992, alguns meses antes do artista morrer. Ao fim do post, o curta
“Com o oceano inteiro para nadar”, de Karen Harley, construído sobre uma série de diários
gravados que o artista manteve nos últimos anos de sua vida.
PARA COMEÇAR A FALAR EM LÖIC (1)
Para começar a falar em Löic preciso tornar atrás
um tempo e ver o quanto passamos naquele lugar quen
te e úmido onde ele construía seu iglú
Löic devia apresentar mais um projeto para a banca
examinadora ( eu também para a minha ) e nós tratá
vamos de continuar brincando de engenheiros mirins
apesar da falsa seriedade do caso
As bancas eram fictícias assim como o cérebro dos
jurados e o que mais atrapalhava era a seguran
ça destinada a nos atender
eu o havia conhecido no meio de uma festa de artis
tas ou num dos escritórios da banca que nos havia
convidado a preencher aquele espaço com 1000 dóla
res de nossas ingenuidades ( casuais )
nos mantivemos firmes eu com meu piano e Löic com
seu iglú, ele não era bretão nem desenhava menires
no ar enquanto assoviava
mas sabia subir rápido uma escada e havia me ensina
do a andar de cabeça para baixo e a recortar mol
des de gelo para o iglú , esse ficava no meio de
uma planície perto da jamaica talvez , seus vizi
nhos viviam numa horrenda construção preta quente
e inabitável
Löic havia ganho também uma espécie de terreno mura
do como o meu mas quadrado, não havia lugar para
fazer fogo por isso usava um grosso pullover
não tinha nenhum rio e lá longe podia ver-se o lago
O chão era duro como cimento e uma grande coluna
branca servia para deixar seu cavalo mas dificulta
va a escolha do lugar para o porto e a nave naufra
gada
Foi ele quem me mostrou o que fazer com o meio da
espiral , foi ele quem fechou o piano e me fazia
dormir cedo esquecendo a maioria das festas a que
éramos convidados
vários sacerdotes e carrascos nos viam juntos o que
gerava uma certa inveja neles e nos deixava muito
felizes, parávamos e comíamos nozes ou pedaços de
provolone
Quando meu terreno já estava plantado resolvi mudar
para sua terra, no começo fiquei pelos cantos até
que ele deixou que eu o ajudasse . O porto já tinha
seu lugar fixo e as bases de uma nave estranha ( mu
ndo ponte navio ) já estava ao largo do estuário
seco .
No meio deste tempo conhecemos uma pequena duende
japonesa que riscava paredes chamando de aspirado
res elefantes ou dinossauros àquilo que fazia
gastamos 15 dias na construção do iglú
os vulcões não foram acesos e meus livros foram
roubados
Como éramos gente do deserto , Löic e eu resolve
mos subir até a montanha na cidade das casas anti
gas , mais um quarto comprido e fino , nessa tarde
achamos um patinho de vidro provavelmente de se
colocar na frente de uma carro americano .
Agora estou de volta nesse continente estranho
cada cidade me mostra sua espécie de crise
desde aquela com pilares no rio e seu novo gover
no socialista . Passei também por aquela cidade luz
onde o rio tem várias pontes e vários palácios che
ios de guardas bravos que tem medo das bombas que
seus superiores mandam colocar para espantar seus
súditos e criar neles um espectro de racismo .
passei pelas termas de uma civilização romana e
cheguei até o lugar onde as pessoas põem o dinheiro
em contas secretas , no meio de bêbados reacioná
rios , vendedores de cobras de vidro e moedas
estrangeiras, encontrei uma América do Sul com
vulcões de lamparinas ( era um sinal , Löic est
va ali ) e pela segunda vez íamos nos encontrar ,
eu tinha a missão de dizer a ele que seu caminho
nessa terra tinha gerado frutos vermelhos e ouro
e aos depositantes isso lhes aprazia e ele devia
manter-se de olhos abertos para que algum maluco
não acabasse vendendo as pontas das unhas que ele
acabasse de cortar .
Mas , meu amigo Löic , tu és teu bom dono e sabes
manejar bem teu caiaque .
e eu que só sei de meu piccolo pianoforte que te
posso dizer? acho que deveria sim , dizer aos
mais habituados que nós somos hippies e que gosta
mos de garagens , nos custa suor fazer esses peque
nos mundinhos e nos
dão o prazer suficiente para aguentar vê-los troca
dos por dólares ou cruzados de prata ou quem sabe
dizer que somos cínicos ou ingênuos o bastante
para manejar os arcos e chamar o falcão que nossos
pais adestraram e fazem a nosso vigília .
Mas se sairmos do campo da representação sabemos
que os habituados também tem o seu ponto certo e
talvez já tenham cruzado o ar mais que nós
mas te digo também ( como Lawrence ) que
nós vamos cruzar esse deserto e chegar a Akaba , lá
começa a luta , a mais sangrenta .
Será que mataremos também como loucos ou veremos e
deixaremos os xerifes executarem os raptores das
belas sabinas .
volto para o Löic e lembro do riso que me deu
assim que desci do trem .
tínhamos palavras semelhantes para dizer e mais
uma vez estávamos sobre a mesma ponte ou sob ela
no mesmo rio , por isso não cumpri a missão de
fazer dele um bom manager .
Resolvemos esquecer que estávamos no concurso
e fomos à praia construir um vulcão de areia .
Löic era cristão tinha uma família e um aparta
mento no meio de uma cidade barroca , era especiali
sta em iglús e pontes metálicas , acho que rezava
todos os dias e também sabia o nome de alguns san
tos
fizemos alguns passeios e ele sabia o vocabulário
das árvores e das lojas de brinquedos
falava com os tambores as focas e os aviões , me
ensinou a língua dos aeromodelos e eu o ensinei
a tocar piano e a gostar de comida árabe
alguns podiam achar que era um moralista , mas
nem todos podiam entender que um cara podia gostar
apenas de fazer seus iglús e deixar que alguns
sonhadores tratem de comercializar isto ou aquilo que
ele deixou escapar
o transatlântico
blue
blue way
take me from here
oh my baby
I''m sure
(1) Texto transcrito respeitando a diagramação, pontuação e ortografia do original datilografado.
Terceiro dia
18 de novembro de 1992
No ateliê
-
Levantei aqui algumas recorrências no seu trabalho. Há sempre uma figura desenhada de uma maneira singela, com os
joelhos recolhidos para o peito; outras
vezes o sujeito está dentro de uma composição em espiral. Um halo de luz contorna o desenho.
- É. A posição é de
autoproteção. O halo é energia.
-
Nem sempre a figura está sozinha. Ela também vem em pares.
- Às vezes. Uma
característica do meu trabalho é a melancolia. E a figura pode ser sempre parecido
com outra porque acho que este é o desenho mais simples que você pode realizar
de um ser humano.
- A figura, no meio de outros elementos, serve
como uma decisão inicial para o desenho ou é uma assinatura que você se
inventou ?
- Não, não. Ela é o ponto
de partida. Os desenhos são sempre dentro de retângulos ou quadradinhos. A partir da figura surge o que está em
volta. É uma pequena reconstrução do mundo.
-
A cabeça parece desproporcional e raramente apresenta traços fisionômicos.
- Sim, porque às vezes eu erro. Alguns
trabalhos mostram cabeças dentro de outras, mais ou menos como quando você está pensando em alguém. Eu
gosto desse tipo de imagem. Há também
figuras de cabeça para baixo.
- Em Rios de palavras, há duas cabeças unidas por um rio que sai
do ouvido e passa pela boca. A referência à palavra era tímida. Hoje você dá um
outro peso, os trabalhos podem ser construídos exclusivamente da palavra. Há
também a recorrência do rio com seus afluentes, que remete ao tronco da árvore
com suas raízes, ou ainda, às veias e artérias do corpo.
-
É uma outra ideia que eu gosto muito. Sempre
gostei de ficar vendo mapas quando lia sobre o Oriente, para procurar os
lugares. Raízes de árvores parecem caminhos de mapas ou um desenho de anatomia.
Eu relaciono as três coisas. Em Todos os
rios levam a sua boca, de uma boca vermelha no meio da tela saem vários
rios da região Oeste de São Paulo, misturados com frases minhas. Às vezes acho
que pode ser um exercício de memória, para ficar relembrando.
- É como o diário onde você faz uma simbiose
entre o aspecto gráfico do mapa e seu mapa interior, registrando os lugares e
as influências.
- Em 1989, não sei direito a data exata, fiz um
mapa com a localização da família do meu pai e da minha mãe, que foi vendido
para um museu nos Estados Unidos. A família da minha mãe tinha uma fazenda no
Rio Negro. A família do meu pai ficava na descida do rio Madeira, em direção à
Bolívia. Fiz o rio Amazonas com seus
afluentes - que têm nomes lindos -, um
moinho e aqueles peixes gregos com a boca aberta.
- Outros elementos
recorrentes são números, ampulhetas, bússolas, relógios. Instrumentos de medição
do tempo e do lugar.
- Sempre fui muito ruim
em matemática, mas tinha uma atração pelos números, por serem elementos
gráficos. De vez em quando eles assumem uma verdade que pertence ao sujeito , por exemplo minha idade, ou meu peso ou minha altura. Adoraria
estudar matemática. Quanto à ampulheta, ela traz uma noção de tempo que não
acaba porque você sempre pode virá-la e começar de novo. Já a bússola foi um de
meus brinquedos favoritos.
-
A forma da ampulheta remete ao infinito. Você fez muitos trabalhos como número
oito associado ao infinito. O que mais constitui seu tesouro mítico?
- Os peixinhos. Às
vezes um, outras vezes em pares. E a escada, tipo escada de pedreiro.
-
A ampulheta ficou obsoleta. Você me lembra um alfaiate, aquele sujeito
nostálgico cuja atividade foi varrida pela modernização.
- Mas isso não é a
memória? A ampulheta conta o tempo que passa. Nos desenhos de 1989, a palavra
entrou realmente nos trabalhos . Eu estava muito apaixonado. Ficava sozinho,
sem saber direito o que fazer. Então pensei em escrever nos desenhos em vez de
ficar escrevendo em cadernos.
-
A realidade da palavra é totalmente autobiográfica?
- É.
-
A discussão da arte contemporânea se voltou para a questão da autonomia da
linguagem em relação ao sujeito. A pintura, que havia convivido estreitamente
com a literatura, passa a reivindicar em
lugar autônomo. Como você vê a questão da
subjetividade hoje?
- Houve isso que você
está dizendo, mas ao mesmo tempo existiam pessoas trabalhando num sentido contrário. Louise Bourgeois, Palermo, Eva Hesse. Mesmo
diante das obras de Walter de Maria, que poderia se encaixar na sua discussão, ou
até Beuys...
-
Sim, Beuys é absolutamente autobiográfico.
- Acho que existem
pessoas que insistiram no lugar do sujeito
dentro do trabalho, e eu sou um deles. Mas existe também os que
trabalham ao contrário. Não sei dizer se a gente tem mais liberdade...
- Como você vê o fato de um indivíduo fazer o espectador participar de suas angústia , de seus
desejos? A pintura se torna uma espécie
de palco para exteriorizar sentimentos ou uma narração na primeira pessoa. A
autorreferência não seria um aspecto restritivo à arte?
- Não. Tunga é um
artista que tira pedaços dele mesmo e põe no trabalho. Alguns preferem que o
trabalho fiquei longe do artista, o que eu acho também muito legal, outros
lidam com aspectos íntimos, e projetam seu interior para a obra.
- Quais são seus escritores de cabeceira?
- Constantin Cavafy. Principalmente. Gosto muito
de poesia.
- Há uma língua que você prefere?
- Não. Leio em inglês,
francês, espanhol. Comprei uma antologia de poesia sobre a paixão, de vários lugares
e vários autores. Releio várias vezes o mesmo livro. A Obra em negro, de Marguerite Yourcenar, é um dos meus livros
favoritos. Tem o tema da viagem que me fascina. Quando era adolescente, li
várias vezes Demian, de Herman Hesse.
- O que é tão importante em Cavafy para você?
- Eu escrevo na linha
dele. A escritura alimentava suas paixões. Ele ia para um café em Alexandria e
ficava contando, descrevendo os caras
que via. Neste desenho, escrevi “boa notícia”. Eu tinha marcado um encontro com
meu namorado para as cinco da tarde e às dez e meia da noite ele estava ligando
para me dizer: “Leo, talvez eu chegue um pouco atrasado”. E, enquanto isso, eu
ficava desenhando. Simplificando, é como um trabalho de repórter.
-
Seria mais uma crônica.
- O que é uma crônica?
- Na crônica, diferentemente da reportagem, você pode introduzir uma
visão pessoal, uma interpretação dos fatos. É a narração em primeira pessoa.
- Então acho que todos
os desenhos têm essa marca da crônica.
-
Há uma força da narrativa, e um silêncio em volta dos desenhos que gera uma
tensão. Você insiste nas cabeças ligadas por uma ponte. Por outro lado, as pessoas
estão separadas, porque há uma vazio sob a ponte.
- É. Engraçado, porque
a ponte é a ligação, mas as bordas não se encontram nunca.
- Só no imaginário. No plano físico, as pessoas estão marcadas pela distância.
Você estabelece relações platônicas.
- Acho que me refiro à
distância que a gente mesmo estabelece. São as barreiras colocadas
propositalmente. É triste, bem triste, mas...
- Alguns desenhos parecem projetos de arquitetura. Este, por exemplo, “Os
Homens com suas próprias atenções”.
- Seria uma escultura
que eu nunca montei. É um objeto alto, feito de madeira, lembrando uma ponte.
-
Quando conheceu o Albert Hein, você
chegou a fazer esculturas. Nunca mais depois?
- Só fiz uma instalação
com Albert Hein, na galeria de Walter Storms. Já fizemos duas exposições em
Amsterdã, cada um com seus trabalhos. O vulcão de neve foi impresso no convite.
O que fizemos juntos foi um grande globo de madeira, com ripas vazadas e
bandeiras que iam caindo até o chão.
-
Na época, a instalação era uma linguagem
muito distante do que você vinha fazendo.
- Não tem longe ou
perto. É preciso ir tentando e fazendo. Hoje, por exemplo, eu não ia conseguir
cortar madeira, bater prego, transportar peso. Pela minha saúde...
-
Você poderia delegar essas tarefas a um marceneiro.
- Não. Ou faço eu
mesmo, ou faço outra coisa. Por isso, agora faço objetos de pano.
-
Há toda uma linhagem de escultores que só trabalham assim. Por que você não
passaria a execução da obra para outra pessoa? O problema é a questão da
autoria?
- Simplesmente porque
eu gosto de fazer. É meu prazer. A obra é conseguir fazer. A gente trabalha com
o que tem. Se não é possível fazer alguma coisa, tem que fazer outra. É preciso
respeitar isso. Eu já te disse que a obra não é tão importante quanto o
aprendizado. É muito importante ir aprendendo com o que se faz.
-
A questão do artesanato, do precário, é
fundamental nos seus objetos. Este desenho, por exemplo, mostra uma situação
num equilíbrio difícil, próximo da imperfeição.
- É. Acho que nenhum
marceneiro nunca aceitaria fazer esse trabalho. Como tem ideias mais rígidas que as minhas, ele modificaria para a peça ficar
certinha e não ficar bamba. Mas eu quero que a coisa fique bamba. Uma das características
do meu trabalho é a ambiguidade. A gente falou de sexualidade na semana passada. Eu dizia que meus trabalhos eram meio gays
assim, mas não é isso. Acho que eles são
ambíguos mesmo. Por exemplo, eu trabalho com a delicadeza, uma costura, um
bordado. Leda [Catunda] trabalha com aqueles colchões, aqueles monstros. Isto é uma
ambiguidade em relação a ela como mulher. Assim como os bordados revelam
minha ambiguidade na minha relação como homem. Gosto muito dessa forma de pote.
Tem a ideia de uma pessoa que está sendo
esvaziada, outras vezes está cheia. Neste desenho, retirei uma frase de um
texto da Maria Rita Kehl e acrescentei: “O desejo é um lago azul”, que já é uma
frase minha. Eu gosto deste trabalho com uma pessoa se deitando na mão de outra.
Sabe o que é estar completamente dominado por outra pessoa? Mas mesmo quando
tiranizado ou dominado, você não perde o que é seu.
-
Sim, o amor como forma de “servidão voluntária”.
- Eu bordei num
trabalho: “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para
servi-lo”. É uma relação servil, mas é você quem escolhe.
(Lagnado, Lisete: São tantas as verdades. São Paulo- DBA Artes Gráficas: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1998).