Chegamos a conversar algumas vezes sobre
como encerrar as nossas atividades em 2013. Em algum momento, pensamos em
Whitman, ou Waly Salomão, algum momento pensamos numa entrevista com Antonio
Cicero, todos planos momentaneamente postergados. Algum momento, uma antologia
de imagens e textos que tocassem no verão.
No fim das contas, vamos encerrar não com a
história de 2013. Dele, talvez queiramos lembrar o que já, em meados de junho,
no segundo encontro “Bliss Não Tem Bis”, anunciávamos: foi um ano em que se
fizeram explícitas as diversas formas de o Estado Brasileiro ser violento e
autoritário (no passado e no presente) com os cidadãos habitantes daqui. Os
planos para 2014 precisam incluir essa compreensão: como editar poesia (um
blogue, uma revista, uma revista-disco, livros, etc.?) a partir dessa
consciência?
Nossos planos para 2014 incluem: continuar
com os lançamentos da revista-disco em outras cidades do país. Primeira parada,
ao longo do verão: Bahia! Feira de Santana, Cachoeira, Salvador, o que pintar.
Em março, deveremos ver São Paulo, e outras.
Nossos planos para 2014 incluem: ampliar o
debate sobre o que/como/de que modos editar poesia hoje no Brasil? Não só
continuando o blogue, os encontros de poesia, mas também promovendo mesas,
debates, entrevistas com os envolvidos e interessados pela poesia e pela edição
hoje.
A Revista-Disco, além de rodar as cidades,
continua sendo vendida no sebo Berinjela, e através de encomenda pelo email blissnaotembis@gmail.com
A partir de hoje, o blogue entra de férias,
retornando somente em fevereiro. Foram 40 postagens em 41 semanas. Toda
terça-feira, aqui. Há muito material para ser visto e revisto, ouvido e relido
(Ouvido também lê!).
Enquanto estivermos de férias, postaremos
aqui para anunciar os eventos de lançamento da Revista-Disco.
Para despedir desse ano, em que criamos a
primeira Revista-Disco de poesia, em que fizemos um encontro de poesia em junho,
no Rio tomado de conflitos (vale lembrar que manifestações são conflitos,
combates), com Angélica Freitas, Dimitri BR, Leonardo Gandolfi & Marília
Garcia, em que tocamos o blogue com antologias, traduções inéditas e nos
apresentamos aqui no Rio e em Pelotas, para nos despedir desse aventuroso (e às
vezes pesado, violento) 2013, uma história de Laurie Anderson. Uma peça feita
sobre a instalação que ela estreou aqui neste mesmo Rio de Janeiro na sua
exposição “I in You” em 2011. Uma história sobre o gesto de contar histórias.
Uma história das histórias.
Feliz Ano Novo! Bliss’You All!
Bliss Não Tem Bis! Bliss Kiss Bliss!
***
O
Coelhinho Cinza (Laurie Anderson/ Tradução: Lucas Matos).
Eu quero contar a vocês a história de uma
história. É sobre quando eu descobri que muitos adultos não têm ideia do que
estão falando e também que eles não têm questão com dizer o que quer que venha
à cabeça. Quer seja algo vagamente verdadeiro quer não.
Era no meio do verão e eu estava com 12
anos. Eu era o tipo de criança que está sempre querendo aparecer. Tinha sete
irmãos e irmãs e sempre me perdia na multidão. Fazia praticamente qualquer
coisa por um pouco de atenção.
Daí um dia eu estava na piscina e decidi
dar um salto mortal do trampolim, o tipo de mergulho que, quando você está
temporariamente, magicamente suspenso no ar, faz todos ficarem: “Uau! Que incrível!
Que espantoso!”.
Eu nunca tinha dado um salto mortal antes. Mas
pensei: “Qual a dificuldade? É só você dar uma cambalhota e se aprumar logo
antes de atingir a água”. Então eu fui. Mas errei a piscina. Aterrisei (TCHBR-AQUE!)
na borda de concreto e quebrei a coluna.
Os pares de semanas seguintes, passei em
tração na ala infantil do hospital. Por um bocado de tempo não pude me mover ou
falar. Ficava como que boiando apenas.
Eu estava na mesma unidade que as crianças
que sofreram queimaduras e elas ficavam penduradas nessas tipoias rotatórias,
um pouco como assadeiras ou espetos. As máquinas giravam cada um de um lado pro
outro para que as queimaduras pudessem ser banhadas em líquidos frios.
Então, um dia, um dos médicos veio me ver e
disse que eu não voltaria a andar. E me lembro de pensar: Esse cara está doido!
Como assim, ele é mesmo um médico? Quem garante?
Ainda assim, não podia dizer isso nem
qualquer outra coisa já que não conseguia falar. Mas eu tinha certeza de que
ele não tinha ideia do que estava falando.
Claro que eu ia voltar a andar. Só tinha
que me concentrar, continuar tentando fazer contato com meus pés. Convencê-los,
fazer-lhes querer se movimentar.
O pior de tudo eram os voluntários que
vinham toda a tarde ler para mim. Eles se inclinavam sobre a cama e diziam: “Olá,
Lauriiie!!”, articulando muito cada palavra como se eu também tivesse
ensurdecido. E eles abriam um livro. “Então... onde a gente parou? Ah, sim! O
coelhinho cinza estava saltitando na estrada e adivinha aonde ele foi? Pois é, ninguém
sabe!
O fazendeiro não sabe.
A mulher do fazendeiro não sabe.
O filho do fazendeiro não sabe”, e assim
por diante.
Ninguém sabia aonde o coelho tinha ido, mas
quase todo mundo parecia se importar.
Olha, antes disso acontecer, eu estava
lendo livros como “Um Conto de Duas Cidades” e “Crime e Castigo”, então
histórias de coelhinho cinza eram um tipo de tortura chinesa.
Afinal de contas, um dia eu consegui me pôr
em pé de novo e então por dois anos eu usei um grande e metálico aparelho para
coluna que tinha um design meio de Frankenstein. Basicamente, eu era uma
anormal, e acabei muito obcecada com Jonh F. Kennedy porque ele também tinha
problemas de coluna e era o presidente.
Muito depois na minha vida, quando alguém
me perguntava como tinha sido minha infância, eu contava essa história sobre o
hospital e funcionava como um atalho para dizer certas coisas sobre quem eu sou
– como aprendi a não confiar em certas pessoas e o quão horrível era ouvir
histórias compridas e sem sentido como aquela sobre o coelhinho cinza. Mas sempre
havia algo estranho em contar essa história, eu ficava inquieta, como se alguma
peça estivesse faltando.
Então um dia, quando eu estava no meio dela
– contando – estava descrevendo as pequenas assadeiras em que as crianças
ficavam penduradas – e de repente foi como se eu estivesse de volta ao hospital
exatamente do jeito que tinha sido. E eu lembrei a parte que faltava. Era o
modo como a ala infantil soava à noite. Os sons de todas as crianças chorando e
berrando. Os sons que as crianças fazem quando morrem.
Daí eu lembrei todo o resto: o cheiro forte
dos remédios, o cheiro de carne queimada. O modo como algumas camas amanheciam
vazias e o modo como as enfermeiras nunca falavam do que tinha acontecido com
essas crianças, elas simplesmente continuavam fazendo a cama e limpando o
entorno da ala infantil do hospital.
E daí que o que importa na história é que
eu contava a parte que falava de mim. E tinha me esquecido do resto. Eu limpei
o entorno assim como as enfermeiras.
Isso é o que eu acho que seja a coisa mais
perturbadora das histórias. Você tenta chegar ao que quer dizer, normalmente é
sobre você ou alguma coisa que aprendeu. Você chega à sua história e se segura
nela, e toda vez que você conta, se esquece dela mais.
***
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário