“‘Qual é o parangolé?’ era uma expressão muito
usada quando cheguei da Bahia para viver no Rio de Janeiro, e significava,
dentre outros sentidos mais secretos: ‘O que é que há?’, ‘O que é que está
rolando?’, ‘Qual é a parada?’ ou ‘Como vão as coisas?’. Somente para marcar a
plasticidade dinâmica da língua: alguém indagar ‘E as coisas?’ na gíria carioca
de então não significava preocupações físicas, alquímicas ou filosóficas mas
muito simplesmente uma interrogação sobre o que hoje atende pela poética
alusiva de ‘fumaça-mãe’, ‘pau-podre’, ou seja, designa o mesmo que o étimo
oriundo da língua quimbundo dos bantos angolanos: maconha (Cannabis sativa).
(...) Não sendo de início senão um ser linguístico, hoje em dia o nome
PARANGOLÉ sumiu da gíria do morro e fixou residência nestes objetos
anti-stabiles. Mas algo de misterioso de sua vida anterior volátil – um avião,
Ícaro, ou um óvni qualquer – um feitiço fugaz, uma firula, uma propensão
gingada para dribles e embaixadas, aparece, agita e serve como acionador de
seus giros. Descoagulação e fluidez de sentido.
O brutalista
PARANGOLÉ de HO nasce da constatação da contingência, nada tem de decorativo ou
polido. Surge de uma vontade de apreender o sentido bruto do mundo em seu
nascedouro. Cumplicidade e simbiose com as agruras e a volta por cima daqueles
que na metáfora geométrica constituem a base da pirâmide social. Daqueles que
vivem, o mais das vezes, de bicos, de bocas, de expedientes, de subempregos, de
camelotagem.
(...)
Hoje em dia ir a uma Escola de Samba não constitui
nenhuma aventura excepcional. É uma safe adventure. Um pacote
convencional igual aos oferecidos por qualquer agência de turismo para a
Disneyworld. Ou percorrer Epcot Center, esta receita fantástica para fazer ovos
mexidos de nações e noções. Repito: nenhuma pele etnocêntrica é tirada. (...)
Hélio quando foi ser passista aprendeu todos os passos básicos do samba como, nos
dias de hoje, ninguém que vai por lá sente sequer a necessidade de aprender.
Sinhô, o Rei do Samba (José Barbosa da Silva) cantava que ‘A malandragem é um
curso primário... É o arranco da prática da vida’.
(...)
O Hélio quando foi para Mangueira vivenciou a
barra-pesada num processo de ruptura e recusa do mundo burguês que o formou e
rodeava. Não foi uma FAVELA TOUR. Foi um aprendizado gozoso e doloroso. Cair de
boca no mundo. Cannabilidinar. Uma reivindicação feroz de singularidade lúcida,
tensa, extremada contra a regra geral média e morna. Encantamento e vertigem. Marginalibidocannabianismo.
(...)
Toda suprassensorialidade está relacionada com a Cannabis
sativa. Quanta gente fuma maconha, cheira pó e não produz
nada! Acho que não se pode ter dedos moralistas com isso, é uma descoberta. O
que me interessa no HO com relação à droga, é que sempre escancara para novas
percepções, novas dimensões, novas estruturações”.
Waly Salomão. Hélio Oiticia: Qual é o
parangolé? E outros escritos. RJ: Rocco, 2003.
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