Nessa
segunda semana dedicada ao trabalho de
Roberto Piva fazemos uma seleta de” Mala na mão & asa preta” , segundo
volume das obras reunidas do poeta, organizadas
por Alcir Pécora para a Editora Globo +
o documentário Assombração Urbana de Valesca Canabarro
Dios.
O
volume traz 4 livros publicados entre a
1976 e 1983. Nos detemos em 3: Abra os olhos
e diga Ah! (1976), Coxas (1979) e
20 poemas com brócolis (1981).
Quizumba
(1983), apesar de ser o livro que traz “A Coréia é na esquina”, sentimos que se
afastava mais da imagem que
rastreávamos.
Este
segundo post investiga (mas não de forma exaustiva) a figura do menino bonito. O
moço, o garoto, o rapaz, o tuareg, o boy.
Que imagens se projetam sobre ele? Que promessa
ele traz? Que canto estimula sua presença (ou ausência)? [nota mental: a canção
de caetano o menino cantada por gal em recanto. A leitura de tyrone dessa
canção]
Camile
Paglia em Personas sexuais dedica um
capitulo inteiro a pensar o menino bonito, que segundo ela tem a dupla função
de origem do canto e destruição dele.
Camile toma Dorian Gray e a vida de Oscar Wilde para pensar esse arquétipo. Uma
beleza quase afeminada, rica em subtextos psicológicos, relações de dominação e
submissão - quem manda e quem obdece.
Os
garotos de piva não são assim. Os garotos de piva são Marlon Brando em O
selvagem. Brutos, barulhentos, ávidos,
às vezes insuportavelmente distraídos (ou
dissimulados).
Alcir
Pécora, na introdução do volume escreve:
“
Os poemas compõem uma franca e desassombrada celebração amorosa, em particular
do amor do efebo, cuja posse frequentemente fornece a principal matéria para o
canto. Trata-se da apropriação de um modelo poético antigo, no qual o amor
entre homens (regido por Afrodite Urânia, nascida exclusivamente do sémen de
Cronos, e não por Afrodite Pandêmia,
popular e heterossexual, nos termos platônicos) é essencialmente passagem para
uma forma de conhecimento inteligível ou supra sensível. Mas trata-se também de
uma contradição e diferença em relação aos modelos metafísicos, uma vez que o
discurso amoroso se constrói centrado substancialmente na energia do corpo e do
ato sexual. Poesia hardcore – para dizê-lo com rigor -, cujo princípio
cognitivo tem sua sede no sexo.”
Mais
a frente, retoma:
“O
desejo que o seu discurso professa não é antegozo do que se passa entre quatro
paredes nem chama que se esgota na boemia anárquica ou na bizarria juvenil, mas
front de combate a um mundo dado como morto. Entenda-se o cadáver: um mundo regido
pela normalidade assexuada e invariavelmente associado a negociatas e mitologias
mercadológicas – ‘totem kapitalista’.”
O garoto é a promessa de (a)ventura.
Em
Coxas, entre outros ele é “Pólen”; em
20 poemas com brócoli ele atende por “o garoto”; em Abra os olhos e diga ah! ele não é
nomeado. “Ele” seria o interlocutor implícito da maioria dos textos. Na seção final do livro de 1976 Piva retoma
personas míticas (como Ganimedes & Antínoo) que funcionam como máscaras para esse(s) interlocutor(es).
Nesse sentido, é vital a fala de
Ricardo Domeneck em entrevista à Escamandro como forma de pensar os lugares
possíveis desse garoto e a poética
que ele constrói.
###
ito clara da necessidade de salvaguardar o discurso amoroso, para usar a expressão de Roland Barthes, no mundo contemporâneo ou qualquer mundo. O próprio Barthes exprimiu algo desta necessidade na pequena introdução que faz a seu Fragmentos de um discurso amoroso. Numa sociedade que busca a uniformização de quase tudo (não dos direitos e privilégios) e a criação de autômatos, a poesia lírica torna-se um refúgio não do individualismo egocêntrico, como certos patetas parecem crer, mas um refúgio para o direito de cada indivíduo de ser um indivíduo, ao mesmo tempo que é parte de uma comunidade. Num mundo em que a individualidade é muitas vezes acusada de individualismo num discurso que quer ajudar a transformar cada ser em mera ferramenta de um sistema, sociedade em que tudo é dispensável, em que seres humanos são usados todos os dias como bucha de canhão, o ato de eleger outro ser como uma “festa-em-si”, como teu próprio “príncipe das belugas” ou “princesa das raposas”, torna-se uma subversão completa e perigosa do sistema de uniformização e automatização. Não há nada menos alienado que a poesia amorosa. Pelo contrário, parece-me por vezes a mais desperta. Porque mantém em nós o desejo, seguindo as palavras de Cummings, de seguir sentindo, “porque sentir é estar vivo”, de não ceder ao cinismo. Algo a ser celebrado, sempre. Cummings o exprime de maneira muito melhor que eu, portanto, se você me permite, encerro com minha tradução de um trecho de uma das nonlectures do grande lírico amoroso americano:
“Vocês não têm a menor ou mais vaga concepção do que é serestar aqui, e agora, e a sós, e ensimesmos. Por que (vocês perguntam) alguém deveria querer estar aqui, quando (com o simples apertar dum botão) qualquer um pode estar em cinquenta lugares ao mesmo tempo? Por que alguém deveria querer ser agora, quando qualquer um pode ir quandando por toda a criação num girar de manivela? O que poderia induzir alguém a desejar sozinhez, quando bilhões de soi-disant dólares são misericordiamente desperdiçados por um bom e grande governo para evitar que qualquer onde quer que jamais esteja um instante qualquer só? Quanto a ser você mesmo – por que diabos ser você mesmo; quando em vez de ser você mesmo você pode ser centenas, ou milhares, ou centenas de milhares de outras pessoas? A simples ideia de ser-se a si mesmo em uma época de eus intercambiáveis deve parecer supremamente ridícula.” — e.e. cummings
###
Pessoalmente
considero 20 poemas com brócoli, o
conjunto de textos mais bem construídos de Piva. Tanto como projeto de livro,
quanto os poemas individualmente. O tom dos textos é consideravelmente menos declamatório do que
nos livros anteriores, os versos (super concentrados) estão centrados em
imagens (pedras, membros, autores) de grande riqueza cromática. Formalmente, recordam Lawrence
Ferlinghetti de Poems from pictures of
the gone world.
Depois
do lançamento do livro de Thiago Gallego, que foi um dia enorme e cheio de
gente e acontecimentos, já no fim da noite, tomando a saideira num pé-sujo do
Humaitá, lembrei do ensaio do Gore Vidal
sobre Mishima. C começamos (eu, Gallego, Valmir e Madiano) uma lista absurda
das gays literárias que seriam boas companheiras de caça. De Verlaine à Ismar Tirelli Neto, passando por João do Rio, William S. Burroughs,
Thomas Mann e Néstor Perlongher. Alguém
dizia um nome e os outros levantavam objeções baseadas na obra e/ou biografia.
Unânimes, só Piva & Pasolini.
Por Marcio Junqueira.
***
De 20
poemas com brócoli
I
última
locomotiva. gregos de Homero
sonhando dentro do chapéu de palha
última vozes antes dos lábios &
dos cabelos. sonoterapia voraz.
você adora as folhas que caem
no lago escuro
este é o banquete do poeta
sempre
querendo
penetrar
no caroço
da verdade.
nariz do garoto negro apontando para
a praça apinhada de tucanos sambistas
você tranca o planeta.
sonhando dentro do chapéu de palha
última vozes antes dos lábios &
dos cabelos. sonoterapia voraz.
você adora as folhas que caem
no lago escuro
este é o banquete do poeta
sempre
querendo
penetrar
no caroço
da verdade.
nariz do garoto negro apontando para
a praça apinhada de tucanos sambistas
você tranca o planeta.
*
XIV
para
o Carlinhos
vou moer teu cérebro. vou retalhar tuas
coxas imberbes e
brancas.
vou dilapidar a riqueza de tua
adolescência. vou
queimar teus
olhos com ferro em
brasa.
vou incinerar teu coração
de carne &
de tuas cinzas
vou fabricar a
substância
enlouquecida das
cartas
de amor.
(música de
Bach ao
fundo)
*
XVI
abandonar tudo. conhecer praias. amores novos.
poesia em cascatas floridas com aranhas
azuladas nas samambaias.
todo trabalhador é escravo. toda autoridade
é cômica. fazer da anarquia um
método & modo de visa. estradas.
bocas perfumadas. cervejas tomadas
nos acampamentos. Sonhar Alto.
abandonar tudo. conhecer praias. amores novos.
poesia em cascatas floridas com aranhas
azuladas nas samambaias.
todo trabalhador é escravo. toda autoridade
é cômica. fazer da anarquia um
método & modo de visa. estradas.
bocas perfumadas. cervejas tomadas
nos acampamentos. Sonhar Alto.
*
XVII
quero
dividir com você a ventania a morte
& as flores do pessegueiro.
sinistras aves de rapina.
fontes de mel. pequena cidade do
& as flores do pessegueiro.
sinistras aves de rapina.
fontes de mel. pequena cidade do
interior donde você brota como
Amor-Perfeito.
imensa & indelicada adolescência.
tambores dos quintais & do riacho
nas asas dos anjos da Memória”
Amor-Perfeito.
imensa & indelicada adolescência.
tambores dos quintais & do riacho
nas asas dos anjos da Memória”
*
XIX
o
garoto engole a flor. mistura de
serpentes. seus olhos acendem
miosótis na dissipada
ternura do neon.
dançarei no musgo do teu coração
onde as estrelas do
amor caem feito
ducha
serpentes. seus olhos acendem
miosótis na dissipada
ternura do neon.
dançarei no musgo do teu coração
onde as estrelas do
amor caem feito
ducha
*
De Abra
os olhos & diga Ah!
eu
sou o jet-set do amor maldito
DENTRO DA NOITE & SUAS CÓLICAS
ILUMINADAS
os
papagaios da morte com Aristóteles na proa do trovão
DISPOSIÇÃO DE IR A DERIVA NOS DADOS
DO AMOR
espinafre pela manhã & queijo
em pasta
almas-esportivas com flores
entre os dentes
minha laranja se abrindo como uma porta
TUA VOZ Ê ETERNA eu vejo a mão
cinzenta rasgar
a parede do mundo
ESTAMOS DEFINITIVAMENTE NA VIDA
*
(A
POLÍTICA DO CORPO EM FOGO DO CORPO EM CHAMAS
DO CORPO EM FOGO) APAGANDO A LUZ as trevas devoram
teu corpo em chamas tua boca aberta teu suicídio
de prazer na grama tuas mãos colhendo meu rosto
de folhas machadas na escuridão teu gemido à sombra
das cuequinhas em flor
DO CORPO EM FOGO) APAGANDO A LUZ as trevas devoram
teu corpo em chamas tua boca aberta teu suicídio
de prazer na grama tuas mãos colhendo meu rosto
de folhas machadas na escuridão teu gemido à sombra
das cuequinhas em flor
teus cabelos são
solidamente negros
*
(MEU
AMOR DORME & SE COÇA EM SONHOS SE DEBATE & GEME
SE DEBATE & GEME SE DEBATE
& GEME)
antes do almoço
sentaremos no pára-lama de
um carro & falaremos de
EMPÉDOCLES assim os pássaros
carregam suas verdades magníficas no
centro do mundo onde
escutamos vozes de MOTORES HUMANOS
EU
OUVI SUAS PALAVRAS QUE ARROMBARAM O UNIVERSO
antes
da chuva carnívora
antes do transistor canibal
*
(A EPOPÉIA DO AMOR COMEÇA NA CAMA COM O LENÇÓIS
DESARRUMADOS FEITO CAMPO DE BATALHA)
é ali que eu começo a nascer para a madrugada &
suas
vertigens onde você meu amor se enrosca em
meu coração paranóico de veludo verde & as
delícias de continentes
alaranjados dormem em seu rosto de pérolas turvas
oh tambores do amor
sem parar rumo às tempestades PLANETÁRIAS & suas
cachoeiras tristes & pesadas como lágrimas
gosto de gostar & a tv da alma amanhece bêbada & tenta
dizer alguma coisa”
*
Ganimedes 76
Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em teus olhinhos de
fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus de um salão
rococó
força de um corpo frágil como âncoras
gostei de você eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento & cercados
de
gardênias
de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios as fontes a
tarde
de
São Paulo como um desejo espetacular tão
dopado
de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra orizzonti
perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço da Paisagem
*
Atentado Profundamente o Emocional
(Antinoo, ragazzo di marbro)
garoto pornógrafo
antes que a lua chegue
esta feijoada será uma batalha
antes que a lua chegue
esta feijoada será uma batalha
Átila vence a grama do mundo
ADIANUS CESAR Imperator
caminhando na manhã romana com seus doze amantes
eu gostaria que você lesse Jacob Boehme
suas coxas se retesam
& você chora um pouco
venha, lamba minha mão &
se prepare para um milhão
de comas loucas loucas
antes que a lua chegue
morda meu coração na esquina
& não me esqueça
ADIANUS CESAR Imperator
caminhando na manhã romana com seus doze amantes
eu gostaria que você lesse Jacob Boehme
suas coxas se retesam
& você chora um pouco
venha, lamba minha mão &
se prepare para um milhão
de comas loucas loucas
antes que a lua chegue
morda meu coração na esquina
& não me esqueça
*
Antinous
(movimento de árvores)
são questões
terça-feira eu prefiro você bem
louco
minha palavra & nada que você acredita
poderá acontecer: ostras olhos injetados Hegel
durma com suas violetas do subúrbio
e a
cidade tosse como
um
índio com febre
São Paulo acorda em suas coxas
docemente
banho quente com vapor
em
espiral flocos de
samambaias
eróticas
assim que você espreguiçar eu estarei
sangrando
*
De Coxas
sex fiction & delírios
OS ESCORPIÕES DO SOL
O adolescente ajoelhou-se abriu a braguilha
da calça de
Pólen & começou a chupar.
Eram 4 horas da tarde do mês de junho & o sol batia no
topo do Edifício Copan suas rajadas paulistanas onde Pólen
& Luizinho foram fazer amor & tomar vinho.
O adolescente vestia uma camiseta preta com o desenho no
peito de um punho fechado socialista, calças Lee desbotadas
& calçava tênis branco com listras azuis. Você é minha
putinha, disse Pólen. Isso, gritou Luizinho, gosto de ser
chamado de putinha, puto, viado, bichinha, viadinho ah
acho que vou gozar todo o esperma do Universo!
Neste instante um helicóptero do Citibank se aproximava
pedindo pouso & os dois nem ligaram continuando com
suas blasfêmias eróticas heróicas & assassinas.
O guarda que estava no helicóptero então mirou & abriu fogo.
Luizinho ficou morto lá no topo do Edifício Copan com uma
bala no coração.
Por onde é preciso começar?
Pólen não sabia, mas seu olho sabia, sua mão sabia, sua
política cósmica sabia.
Hermafrodita morto no musgo mais alto. Suas baleias de
ternura, suas tranças do mais puro ouro, suas sardas em
torno do narizinho meio arrebitado & insolente.
Luizinho era uma sombra dentro do seu coração anarquista
& rápido suas lágrimas quebraram o aço dos elevadores com
seus guinchos de múmias eletrificadas ondas de reflexos
polaróide em frente à Igreja da Consolação rostos picados
nos escritórios & seus violinos enfadonhos, o amor
começaria por uma perda?
A atmosfera cor de azeitona era um alívio para o coração
metralhada pela dor construída ao crepúsculo doente em
cargas elétricas & surdas feitas de veludo & espinhas de
peixe um rodízio de aberrações crispou o rosto de Pólen
que agora tomou um ônibus & percorreu São Paulo num
suspiro rodando & rodando por aquela massa cinzenta do
capitalismo periférico sem escapatória & suas grandes asas
cobriam o Sol & seus escorpiões.
Enquanto isso os cinemas sofriam ataques contínuos de
office boys armados com estilingues & bolinhas de gude &
partilhavam da turbulência do Grande Terror com
máscaras feitas de folhas de bananeiras & bermudas
justíssimas onde se podiam ver magníficas coxas & lindos pés
descalços com tornozelos rodeados com florzinhas amarelas
& muitos traziam a palavra COMA-ME costurada na
bermuda na altura do cu.
Naquela tarde todo mundo estava com vontade de nadar
em sangue.
Anjos da verdade pensou Pólen em sua calma estranguladora
de babuínos agora devem começar as quermesses com leitões
coloridos purê de maçã & delicados tutus à mineira ostras de
Cananéia apimentadas servidas com retumbantes batidas
de Maracujá (a fruta da paixão) codorninhas recheadas com uvas
passas & torresminhos com queijo ralado o verão bem
poderia chegar com seu perfume de acarajé invadindo os
colégios fazendo os adolescentes terem ereções & as garotas
desmaiarem de desejo com seus pequeninos seios latejantes.
Pólen & começou a chupar.
Eram 4 horas da tarde do mês de junho & o sol batia no
topo do Edifício Copan suas rajadas paulistanas onde Pólen
& Luizinho foram fazer amor & tomar vinho.
O adolescente vestia uma camiseta preta com o desenho no
peito de um punho fechado socialista, calças Lee desbotadas
& calçava tênis branco com listras azuis. Você é minha
putinha, disse Pólen. Isso, gritou Luizinho, gosto de ser
chamado de putinha, puto, viado, bichinha, viadinho ah
acho que vou gozar todo o esperma do Universo!
Neste instante um helicóptero do Citibank se aproximava
pedindo pouso & os dois nem ligaram continuando com
suas blasfêmias eróticas heróicas & assassinas.
O guarda que estava no helicóptero então mirou & abriu fogo.
Luizinho ficou morto lá no topo do Edifício Copan com uma
bala no coração.
Por onde é preciso começar?
Pólen não sabia, mas seu olho sabia, sua mão sabia, sua
política cósmica sabia.
Hermafrodita morto no musgo mais alto. Suas baleias de
ternura, suas tranças do mais puro ouro, suas sardas em
torno do narizinho meio arrebitado & insolente.
Luizinho era uma sombra dentro do seu coração anarquista
& rápido suas lágrimas quebraram o aço dos elevadores com
seus guinchos de múmias eletrificadas ondas de reflexos
polaróide em frente à Igreja da Consolação rostos picados
nos escritórios & seus violinos enfadonhos, o amor
começaria por uma perda?
A atmosfera cor de azeitona era um alívio para o coração
metralhada pela dor construída ao crepúsculo doente em
cargas elétricas & surdas feitas de veludo & espinhas de
peixe um rodízio de aberrações crispou o rosto de Pólen
que agora tomou um ônibus & percorreu São Paulo num
suspiro rodando & rodando por aquela massa cinzenta do
capitalismo periférico sem escapatória & suas grandes asas
cobriam o Sol & seus escorpiões.
Enquanto isso os cinemas sofriam ataques contínuos de
office boys armados com estilingues & bolinhas de gude &
partilhavam da turbulência do Grande Terror com
máscaras feitas de folhas de bananeiras & bermudas
justíssimas onde se podiam ver magníficas coxas & lindos pés
descalços com tornozelos rodeados com florzinhas amarelas
& muitos traziam a palavra COMA-ME costurada na
bermuda na altura do cu.
Naquela tarde todo mundo estava com vontade de nadar
em sangue.
Anjos da verdade pensou Pólen em sua calma estranguladora
de babuínos agora devem começar as quermesses com leitões
coloridos purê de maçã & delicados tutus à mineira ostras de
Cananéia apimentadas servidas com retumbantes batidas
de Maracujá (a fruta da paixão) codorninhas recheadas com uvas
passas & torresminhos com queijo ralado o verão bem
poderia chegar com seu perfume de acarajé invadindo os
colégios fazendo os adolescentes terem ereções & as garotas
desmaiarem de desejo com seus pequeninos seios latejantes.
agora
um anjo pousou
em seu ombro
& Pólen adormeceu.
Quando acordou alguém tinha deixado em suas mãos o
livro As Américas e a civilização de Darcy Ribeiro & ele
desceu do ônibus para sentar na praça Buenos Aires & ler.
Abriu na página 503 & leu:
“Os Guerreiros do Apocalipse.
Uma vez implantadas as bases do Estado militarista na
América do Norte, uma série de acontecimentos comoveu
a opinião pública, os governantes, os militares, conduzindo
toda a classe dirigente do país a crises sucessivas de
apavoramento e histeria”.
um anjo pousou
em seu ombro
& Pólen adormeceu.
Quando acordou alguém tinha deixado em suas mãos o
livro As Américas e a civilização de Darcy Ribeiro & ele
desceu do ônibus para sentar na praça Buenos Aires & ler.
Abriu na página 503 & leu:
“Os Guerreiros do Apocalipse.
Uma vez implantadas as bases do Estado militarista na
América do Norte, uma série de acontecimentos comoveu
a opinião pública, os governantes, os militares, conduzindo
toda a classe dirigente do país a crises sucessivas de
apavoramento e histeria”.
*
APAVORAMENTO N° 1
dezoito garotos & dezoito garotas foram
emparedados vivos
em caixas construídas com chicletes que só Adams fabrica &
tostados dentro de um porão de arsênico & cascavéis.
em caixas construídas com chicletes que só Adams fabrica &
tostados dentro de um porão de arsênico & cascavéis.
*
APAVORAMENTO N° 2
quinze adolescentes
de ambos os sexos foram chicoteados na
bunda por batalhões da TFP que os insultavam enquanto
trezentos rapazes & moças de seita imperialista Igreja Católica
cortavam rodelas de cebola & colavam em seus olhos.
bunda por batalhões da TFP que os insultavam enquanto
trezentos rapazes & moças de seita imperialista Igreja Católica
cortavam rodelas de cebola & colavam em seus olhos.
*
HISTERIA N° 1
a confraria reacionária Unidos em Série
promovedora de
festivais de telenovelas nas fábricas jogou uma substância
criadora de histeria CBK7 no reservatório de água de um
colégio de freiras & as alunas peidaram 3 dias & 3 noites
sem parar & depois se flagelaram & crucificaram.
festivais de telenovelas nas fábricas jogou uma substância
criadora de histeria CBK7 no reservatório de água de um
colégio de freiras & as alunas peidaram 3 dias & 3 noites
sem parar & depois se flagelaram & crucificaram.
*
HISTERIA N° 2
setenta adolescentes fascistas do Colégio
Objetivo criaram
no laboratório de química (com auxílio de alguns
professores) uma substância hipnótica cuja finalidade é
levar a vítima ao arrependimento seguido de crises
de misticismo histérico.
Essa substância foi testada no bairro operário da Mooca &
durante 2 meses às 6 horas da tarde na avenida Paes de
Barros os operários se reuniram para rezar
no laboratório de química (com auxílio de alguns
professores) uma substância hipnótica cuja finalidade é
levar a vítima ao arrependimento seguido de crises
de misticismo histérico.
Essa substância foi testada no bairro operário da Mooca &
durante 2 meses às 6 horas da tarde na avenida Paes de
Barros os operários se reuniram para rezar
*
Antínoo
& Adriano
L`énigme du
labyrinthe est
Celle-ci: comment descendre
Jusqu`à Dionysos
sans perdre
La connaissance du
chemin?
A.
Kremmer –Marietti, L`homme est ses labyrinthes
The rain outside was cold in
Hadrian`s soul.
Fernando Pessoa,
“Antinous”
Esta é a zona batida pelos afogados
Esta é a velocidade máxima de quem submerge
aqui as romãs romanas não crescerão mais
& duas águias de névoa orvalhando sandálias
adolescentes na grama de primavera escrevem
a palavra remenber
o doce Antínoo com seu arco carregando
corações maduros na aljava da fenda-essência
da história
os semáforos do tempo acendem seu sinal
verde por cima de sua
longa cabeleira
este doce garoto
patiu o coração do imperador
o Império adorando um deus adolescente afogado no nilo
sem esperar a Manhã egípcia chegar
Adriano chorou o resto de sua
vida na villa ao sul de Roma
as paredes rachavam pelas tardes
deixando entrar as lembranças
houve um tempo nas montanhas da
Bitínia quando as caçadas se prolongavam
até a hora do amor
o vinho de Falerno aderindo aos estômagos
enquanto os olhares se
cruzavam sobre o javali assado e rodeado
de frutas
este amor contruiu seu império na
memória & as escamas de
meu cérebro caem ao contato de seu dedo
os poetas latinos ouviram provaram
entenderam este tesouro afundado
nas tripas do tempo
resta o vento de verão nos caminhos
onde eles andaram
***
Assombração urbana,
filme de Valesca Canabarro Dios
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